Estima-se que na Espanha vivam cerca de 34.000 pessoas com síndrome de Down, e cerca de seis milhões no mundo. A trissomia 21 afeta aproximadamente um em cada 800 nascimentos e causa uma variedade de manifestações clínicas, incluindo diminuição da capacidade cognitiva.
Com a idade, 77% das pessoas com a doença apresentam sintomas semelhantes aos da doença de Alzheimer. A perda gradual do olfato, típica das doenças neurodegenerativas, também é comumente encontrada a partir do período pré-púbere, podendo ocorrer déficits na maturação sexual no sexo masculino.
Para melhorar a função cognitiva de um pequeno grupo de pacientes com síndrome de Down, uma equipe do laboratório Lille Neuroscience & Cognition Inserm e do Lausanne University Hospital uniram forças para testar a eficácia da terapia de injeção de hormônio liberador de gonadotropina (GnRH).
Os resultados do estudo, publicados hoje na “Science”, são promissores: a terapia melhorou a função cognitiva e a conectividade cerebral.
Por que essa técnica?
Porque descobertas recentes sugeriram que os neurônios que expressam o hormônio liberador de gonadotropina, conhecido por regular a reprodução por meio do hipotálamo, também poderiam atuar em outras regiões do cérebro com papel potencial em outras funções, como a cognição.
Com essa ideia em mente, os cientistas revelaram pela primeira vez uma disfunção dos neurônios GnRH em um modelo animal de síndrome de Down (camundongos) e seu impacto no declínio da função cognitiva associada à condição.
Especificamente, eles mostraram que cinco cadeias de microRNA que regulam a produção desse hormônio, encontradas no cromossomo 21, são disfuncionais. Esses achados foram confirmados tanto no nível genético quanto no celular. Os cientistas do Inserm conseguiram mostrar que os déficits cognitivos e olfativos progressivos observados nos camundongos estavam intimamente relacionados à secreção disfuncional de GnRH.
Em seguida, eles tentaram a terapia de injeção de GnRH em roedores com síndrome de Down e demonstraram, após 15 dias, que essa terapia restaura as funções cognitivas e olfativas deles.
A próxima etapa envolveu um ensaio clínico piloto em pacientes para avaliar os efeitos deste tratamento.
Sete homens com síndrome de Down, com idades entre 20 e 50 anos, receberam uma dose subcutânea de GnRH a cada duas horas durante seis meses..
Testes cognitivos e olfativos, bem como exames de ressonância magnética foram realizados antes e após o tratamento.
Do ponto de vista clínico, o desempenho cognitivo aumentou em 6 dos 7 pacientes com melhor representação tridimensional, melhor compreensão das instruções, melhor raciocínio, atenção e memória episódica.
No entanto, o tratamento não teve impacto na capacidade de cheirar.
Essas medidas para melhorar as funções cognitivas foram confirmadas por imagens cerebrais realizadas pelo Departamento de Neurociências Clínicas do Hospital Universitário de Lausanne, que revelou um aumento significativo na conectividade funcional.
Esses dados sugerem que o tratamento age no cérebro fortalecendo a comunicação entre certas regiões do córtex.
O próximo passo: um estudo maior com mulheres
“A manutenção do sistema GnRH parece desempenhar um papel fundamental na maturação cerebral e nas funções cognitivas”, explica Vincent Prévot, diretor de pesquisa do Inserm, em um comunicado.
“Na síndrome de Down, a terapia pulsátil com GnRH parece promissora, especialmente porque é um tratamento existente sem efeitos colaterais significativos”, acrescenta Nelly Pitteloud, professora da Faculdade de Biologia e Medicina da Universidade de Lausanne.
Estas descobertas promissoras justificam agora o lançamento de um estudo maior, incluindo mulheres, para confirmar a eficácia deste tratamento em pessoas com síndrome de Down, mas também para outras condições neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer.
