«As pessoas que sofrem de obesidade apresentam um estado inflamatório de baixo grau relacionado com várias doenças»

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1. A obesidade altera os genes e nos torna mais fracos?

Quando dizemos que um fator externo, como uma doença, produz alteração gênica, estamos nos referindo à EPIGENÉTICA. Esta ciência estuda os mecanismos que regulam a expressão dos genes sem modificação na sequência de DNA que os compõe. Estabelece a relação entre influências genéticas e ambientais que determinam o que afinal aparece em um indivíduo específico e que conhecemos como fenótipo.

Bem, em um estudo com camundongos publicado recentemente, foi demonstrado que a história passada de obesidade desencadeia alterações epigenéticas persistentes na imunidade inata e exacerba a neuroinflamação.

2. De que tipo de alteração estamos falando?

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Há algum tempo sabemos que as pessoas com obesidade têm o que é conhecido como um estado inflamatório de baixo grau, e essa situação tem sido associada a várias doenças.

3. Qual é exatamente a relação entre obesidade e inflamação?

Falamos de inflamação celular silenciosa (ou de baixo grau) para nos referirmos à inflamação imperceptível de um órgão ou tecido que ocorre como consequência da ativação de mecanismos inflamatórios em resposta à detecção de uma ameaça.

Porém, embora seja um importante mecanismo de defesa, sua ativação estimula a secreção de enzimas que vão atacar o tecido saudável para se livrar do problema. Assim, se ela se tornar crônica (devido à exposição contínua a agentes nocivos, como a obesidade) acaba danificando o órgão ou tecido em questão.

Os mecanismos pelos quais a obesidade aumenta a inflamação são:

· Alterações na microbiota intestinal, tão importante em nosso sistema imunológico

· Estresse oxidativo que leva à deterioração do organismo e envelhecimento precoce

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· Liberação excessiva de fatores pró-inflamatórios: como Interleucina-6 (IL-6), fator de necrose tumoral-α (TNF-α) ou proteína C-reativa (PCR) e outras citocinas que estão sendo descobertas novas

· Superativação de macrófagos periféricos para que nosso sistema de defesa entre em ação e acabe prejudicando o próprio organismo.

4. E essa alteração pode contribuir para a predisposição de doenças neuroinflamatórias?

Por muito tempo o sistema nervoso central foi considerado imunologicamente privilegiado, pois se supunha que a barreira hematoencefálica o protegia da passagem de substâncias tóxicas. Isso é praticamente verdade em termos de substâncias tóxicas externas, mas não nas condições inflamatórias do próprio corpo.

Assim, várias doenças do sistema nervoso central foram realizadas com esses quadros de exacerbação inflamatória e levaram ao estudo aprofundado das doenças neuroinflamatórias.

Entre eles poderíamos incluir a degeneração macular relacionada à idade (AMD) a que se refere o estudo recentemente publicado em camundongos, onde se afirma que foi comprovado que a obesidade confere memória aos macrófagos e que a programação epigenética das células mielóides na obesidade contribui para degeneração macular.

Estudos experimentais como esses no campo da epigenética estão sendo realizados em várias doenças e diferentes sistemas do nosso corpo, não apenas no sistema nervoso. E também no campo do envelhecimento e doenças relacionadas a esse processo, aparentemente fisiológicas.

5. Quais são essas doenças e qual a sua gravidade?

Existem muitas doenças, além das neuroinflamatórias, que já conhecemos, relacionadas ou agravadas por esse estado inflamatório de baixo grau que a obesidade produz. Para não me estender muito, vou listar alguns dos principais:

· Diabetes, tipo II, associado à obesidade e que levou à criação do nome DIABESIDADE

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· Doenças cardiovasculares, uma associação que é conhecida há muito tempo e que a inflamação desempenha um papel muito importante no seu mecanismo de associação

· Vários tipos de câncer que são mais prevalentes em pessoas obesas.

· Envelhecimento prematuro intimamente relacionado ao estresse oxidativo e inflamação crônica

· No desenvolvimento da doença de Alzheimer, postula-se que a inflamação é de grande importância.

· Na própria COVID-19, constatou-se que a obesidade era um fator de risco importante quando se tratava de desenvolver a doença de forma grave, uma vez que os sintomas graves da pandemia apareciam em organismos que, ao se defenderem do vírus, tinham uma resposta exagerada da imunidade e isso era mais provável de acontecer em pessoas obesas que começaram a partir de um estado basal já inflamado.

· Muitas outras doenças que estamos estudando e nas quais a inflamação desempenha um papel fundamental e, portanto, a obesidade seria um fator agravante

6. Essas doenças desaparecem quando o obeso recupera o peso normal ou persistem mesmo após a perda de peso?

Cada doença é diferente e em cada indivíduo não evolui da mesma forma. O que está claro é que a obesidade como promotora desse estado pró-inflamatório vai influenciar mais e pior quanto mais cedo aparecer, mais durar e mais grave se tornar.

Se olharmos para a doença descrita neste estudo em camundongos, a degeneração macular relacionada à idade foi observada em humanos que é praticamente irreversível e só podemos retardar sua evolução. No seu desenvolvimento, uma predisposição genética deve coincidir com fatores epigenéticos negativos, como a inflamação causada pela obesidade, entre outros.

7. Então, se as pessoas têm obesidade genética, elas estão predispostas, por exemplo, à degeneração macular?

Vejamos, espere um minuto, não há necessidade de confundir os termos dentro da genética. Uma coisa é a obesidade ter uma certa predisposição genética e se esses indivíduos predispostos estiverem associados a fatores epigenéticos negativos que contribuem para o seu desenvolvimento, no final a obesidade é aparentemente inevitável. E assim favorecer o desenvolvimento de outras doenças agravadas pelo estado inflamatório que a obesidade produz.

E outra coisa é que a genética é totalmente determinista e não podemos fazer nada. Diante de uma pessoa com predisposição genética à obesidade, podemos colocar alguns fatores epigenéticos muito positivos que impedem o desenvolvimento dessa patologia ou de doenças associadas devido ao estado pró-inflamatório. Podendo assim fazer uma boa medicina preventiva.

Os pesquisadores precisam continuar investigando em muitos campos e ajudando os médicos a tratar doenças crônicas como a obesidade, que é tão importante no desenvolvimento de muitas outras doenças. Mas com os meios que temos atualmente, podemos perfeitamente controlar (não curar) a obesidade enquanto doença crónica que é. A crônica não tem cura, mas pode ser controlada e sabemos como controlar a obesidade.

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